Com as novas regras para coleta de dados pessoais, os candidatos e suas equipes enfrentarão mais um desafio, além da captação de votos, que diz respeito à adequação das campanhas eleitorais à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A referida legislação trouxe ao ordenamento jurídico um sistema de tutela dos dados pessoais, amparado em uma melhor segurança jurídica, com o intuito de regulamentar qualquer atividade de tratamento de dados (acesso, coleta, armazenamento, compartilhamento, entre outros).
Dados pessoais, à luz da LGPD, são todas as informações que sejam possíveis identificar ou associar à pessoa natural da qual se refere. Atualmente, surgiu a discussão acerca da aplicabilidade da lei nas eleições municipais que já se aproximam (primeiro turno em 15 de novembro). O uso de dados pessoais por campanhas políticos-eleitorais não é uma novidade, uma vez que, por meio da análise de dados, é possível conhecer os eleitores, com o intuito de criar estratégias para influenciá-los.
Um dos maiores escândalos de violação de dados no mundo envolveu a empresa britânica Cambridge Analytica, que obteve de forma ilegal dados de milhões de usuários do Facebook, por meio de testes de personalidade. O objetivo era identificar perfis de eleitores em potencial e produzir propagandas direcionadas a cada tipo de público.
A análise dos dados pessoais, combinada com comunicação estratégica, é capaz de influenciar as escolhas dos eleitores nas urnas, desvirtuando o caráter democrático das eleições. Com o aumento expressivo de casos de vazamentos de dados, tanto a regulamentação europeia (GDPR General Data Protection Regulation) como a LGPD foram criadas sob a influência do emblemático episódio do Facebook e a Cambridge Analytica.
Para quem tiver interesse em aprofundar sobre o tema, o documentário Privacidade Hackeada, disponível na Netflix, analisa as técnicas utilizadas pela Cambridge Analytica para manipulação de votos, que teria sido responsável por ajudar a eleger Donald Trump como presidente dos Estados Unidos em 2016.
A aplicação da LGPD nas eleições gera uma discussão ampla e calorosa, mas especificamente sobre as boas-práticas para o uso de dados pessoais nas campanhas eleitorais. No entanto, o entendimento predominante é que haverá, sim, a incidência da LGPD sobre as eleições de 2020. Desse modo, os candidatos terão que avaliar as estratégias com o eleitorado, principalmente em tempos de pandemia. Em razão desta, a antiga técnica de campanha eleitoral, que seria o “corpo a corpo” do candidato com o eleitor, restou prejudicada, fazendo com que a campanha realizada de forma virtual seja decisiva nesta próxima eleição.
Em todo ano não eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) elabora resoluções que regerão o próximo pleito. Assim, o TSE, antevendo a entrada em vigor da LGPD, aprovou a resolução nº 23.610, em 18 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral. A resolução é clara e objetiva ao dizer em seu art. 41, que “Aplicam-se a esta Resolução, no que couber, as disposições previstas na Lei nº 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados)”.
Outra observação importante diz respeito à obrigatoriedade da coleta do consentimento do eleitor para o envio de mensagens eletrônicas. Portanto, com a nova lei, os eleitores terão o direito de saber como estão sendo realizadas todas as atividades de tratamento de dados e como as informações estão sendo transferidas, acessadas ou armazenadas, seja pelos partidos políticos ou pelas campanhas políticas.
Um exemplo prático são as listas de distribuição de WhatsApp. O número de celular de um eleitor é considerado como um dado pessoal. Portanto, para utilização desse dado, por meio de envio de mensagem, a regra do consentimento prévio se aplica a tal situação. Os candidatos devem se atentar para que, ao realizarem suas atividades de campanha, não violem as disposições contidas na lei, sob pena de eventual infração prejudicar o candidato, bem como ensejar o ajuizamento de ações por parte dos titulares.
“Quando o candidato for coletar dados, [para] enviar campanhas de marketing ou mensagens ele precisa seguir os princípios da legislação”, diz o advogado Rafael Vieira, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP. Diante de um cenário contemporâneo, cheio de inseguranças e incertezas, carente de análises mais profundas a respeito da aplicabilidade da LGPD nas próximas eleições, a intenção deste artigo é trazer ao leitor uma reflexão sobre o uso dos dados pessoais nas campanhas eleitorais.
Por Por Roberta Rousie
•Advogada e Consultora em projetos de adequação à LGPD.
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